A ciência da cura pelo pensamento
Durante séculos, a ideia de “cura pelo pensamento” vem sido muito falada. Nas últimas décadas, isso fascinou os seguidores de todos os tipos de movimentos de auto-ajuda.
Agora, porém, um crescente corpo de pesquisa científica sugere que a nossa mente pode desempenhar um papel importante na cura do nosso corpo – ou em se manter saudável em primeiro lugar. No livro Cure, a veterana jornalista de ciência Jo Marchant traz seu olhar crítico a esse novo terreno fascinante. Aqui, procuramos juntar alguns trechos de uma entrevista que ela deu para Gareth Cook da Mind Matters.
Gareth: Você vem discutindo sobre um tema onde, historicamente, há uma enorme quantidade de charlatanismo. O que te convenceu de que havia uma história científica convincente para contar?
Jo: Os mal-entendidos e falsas alegações foram um dos elementos que mais me atraíram para o tema da medicina de corpo-mente, em primeiro lugar. A mente influencia a fisiologia de muitas maneiras – do estresse à excitação sexual – por isso, sempre me pareceu razoável que poderia impactar a saúde. No entanto, a questão tornou-se tão polarizada: defensores da medicina alternativa afirmam curas milagrosas, enquanto muitos cientistas e médicos convencionais insistem que qualquer sugestão de “pensamentos de cura” é ilusão.
Eu estava interessada nessas filosofias conflitantes: eu queria entender por que é tão difícil ter um debate fundamentado sobre essa questão. O que leva tantas pessoas a acreditar nas alegações pseudocientíficas de terapeutas alternativos e por que há céticos tão resistentes a qualquer sugestão de que a mente pode influenciar a saúde?
Ao mesmo tempo, eu queria, através da pesquisa científica, descobrir o que a evidência diz realmente sobre os efeitos da mente sobre o corpo. Isso levou-me ao redor do mundo, entrevistando cientistas que estão investigando essa questão (muitas vezes lutando por um financiamento ou arriscando suas reputações ao tentar) e os seus resultados me convenceram de que, além de ser uma história sociológica ou filosófica interessante, este foi um convencimento científico.
Exemplos incluem ensaios demonstrando que a hipnoterapia é um tratamento altamente eficaz para pacientes com Síndrome do Intestino Irritável (SII) e estudos mostrando que o estresse percebido se correlaciona com o comprimento dos telômeros em células. Mas o que eu pessoalmente achei mais convincente foram estudos que sugeriam uma lógica evolutiva para a influência da mente sobre a saúde.
Hoje, existem várias linhas de pesquisa que sugerem que nossa percepção mental do mundo constantemente informa e orienta o nosso sistema imunológico de uma forma que nos torna mais capazes de responder às ameaças futuras. Isso foi uma espécie de momento “aha” para mim – onde a ideia mente e corpo entrelaçados de repente fez mais sentido científico do que uma consciência efêmera que é, de alguma forma, separada de nossos corpos físicos.
O que se sabe sobre o que o efeito placebo realmente é e o que você vê como as maiores questões em aberto?
“Efeito placebo” pode ser um termo confuso, porque tem diversos significados diferentes. Às vezes, é usado para cobrir qualquer um que se sente melhor depois de receber tratamento placebo (ou falso), o que inclui, obviamente, todas as pessoas que teriam melhorado mesmo assim. Mas os pesquisadores estão descobrindo que ter um placebo também pode ter efeitos específicos, mensuráveis sobre o cérebro e o corpo.
Como o neurocientista Fabrizio Benedetti, um dos pioneiros da pesquisa sobre o placebo, coloca, não existe apenas um efeito placebo, mas muitos. Analgésicos com efeitos placebos podem desencadear a liberação de substâncias químicas analgésicas naturais chamadas endorfinas. Pacientes com doença de Parkinson respondem a placebos com uma enxurrada de dopamina. Oxigênio falso, dado a alguém em altitude, tem sido usado para reduzir os níveis de neurotransmissores chamados prostaglandinas (que dilatam os vasos sanguíneos, entre outras coisas, e são responsáveis por muitos dos sintomas da doença de altura – caracterizada principalmente por hiperventilação, náuseas, cansaço e edema cerebral).
Nenhum desses efeitos biológicos são causados pelos próprios placebos, que são, por definição, inertes. Eles são acionados por nossa resposta psicológica a esses tratamentos falsos. Os ingredientes ativos são complexos e não totalmente compreendidos, mas incluem a nossa expectativa de que vamos nos sentir melhor (que por sua vez é afetada por todos os tipos de fatores, como a nossa experiência anterior com o tratamento, o quão impressionante ou invasivo um tratamento é e se somos uma pessoa otimista).
Outro elemento está condicionado, se nós aprendemos a associar um tratamento especial – tomar um comprimido, por exemplo – com uma determinada resposta biológica, experimentaremos essa resposta quando tomarmos uma pílula semelhante no futuro, mesmo que seja um placebo. Isso influencia as funções fisiológicas, tais como os níveis hormonais e as respostas imunes, e trabalha independentemente de nossas crenças conscientes.
Questões futuras incluem trazer à tona os fatores psicológicos que moldam a reação do placebo, e investigar por que placebos honestos (onde alguém sabe que está tomando um placebo) parecem funcionar – esta pesquisa mal começou. Os cientistas também querem determinar exatamente em quais condições os placebos funcionam (a maioria das pesquisas até agora é em alguns sistemas-modelos, como a dor, a depressão e Parkinson), e para quem eles trabalham (tanto os genes quanto a personalidade parecem desempenhar um papel). E depois, claro, há a questão de como podemos maximizar essas respostas, e integrá-las ao atendimento clínico de rotina de uma maneira honesta.
Você escreve sobre vítimas de queimaduras que estão sendo tratados, em parte, com a realidade virtual. Você pode explicar isso e quais lições você acha que ela nos reserva?
Essa é uma outra terapia que eu tenho que tentar – pesquisadores em Seattle desenvolveram um panorama de realidade virtual chamado Snow World (Mundo de Neve). Você voa dentro de um cânion de gelo e atira bolas de neve em personagens dentro do jogo, como pinguins e bonecos de neve. É concebido para funcionar como um analgésico: a ideia é que o cérebro tem uma capacidade limitada de atenção, por isso, se o cânion de gelo comanda a atenção, há menos capacidade restante para experienciar a dor. Quando eu experimentei Snow World, os pesquisadores usaram uma caixa aquecida para simular uma queimadura para o meu pé – foi bastante dolorosa fora do jogo, mas uma vez imersa, eu me diverti muito e mal notei isso.
Essa técnica foi desenvolvida para ajudar vítimas de queimaduras – eles têm que passar por sessões agonizantes de tratamento de feridas e fisioterapia. Mesmo quando se toma a dose máxima de segurança de analgésicos, algumas vezes, estes doentes ainda sentem uma dor horrível. Ensaios mostram que sofrer essas sessões, enquanto imerso em Snow World, reduz sua dor de 15 a 40% a mais se comparado com o alívio que recebem de drogas.
Esta é apenas uma das muitas linhas de pesquisa que nos dizem que o cérebro desempenha um grande papel na determinação do nível de dor que sentimos. É claro que qualquer dano físico é importante, mas não é suficiente nem necessário para que possamos sentir dor. Então, eu acho que nós temos abordado a dor de uma foma errada. Nosso foco é quase que exclusivamente em tentar bani-la com drogas, o que é incrivelmente caro e causa enormes problemas com efeitos colaterais e dependência. Pesquisas como Snow World mostram o potencial de abordagens psicológicas para o tratamento da dor: tanto para maximizar a eficácia das drogas e, talvez, em alguns casos, para substituí-las.