Analfabetismo intrapessoal
Acredito que estamos vivendo uma crise de analfabetismo intrapessoal; as pessoas se tornaram estranhas para si mesmas. Para entendermos melhor essa questão, vamos começar pelo conceito de “inteligência”.
Howard Gardner, professor da Universidade de Harvard, foi o criador da teoria das inteligências múltiplas. Ele causou uma revolução, pois mostrou que existem diversas maneiras de ser inteligente. A sua proposta é que temos, pelo menos, 7 inteligências diferentes:
1. Lógico-matemática – habilidade de lidar com números e lógica, presente em contadores, profissionais da área de finanças, cientistas.
2. Linguística – habilidade de lidar com palavras, presente em quem tem facilidade para escrever.
3. Espacial – habilidade de se orientar espacialmente, presente, por exemplo, em um arquiteto ou em um escultor.
4. Musical – habilidade de lidar com sons, presente, por exemplo, em músicos.
5. Corporal – habilidade de usar o corpo, presente em um grande atleta.
6. Interpessoal – habilidade em conhecer e lidar com outras pessoas, presente em líderes carismáticos, bons professores, etc.
7. Intrapessoal – habilidade em se conhecer e se autogerir, presente em bons terapeutas. Freud, certamente, tinha essa inteligência muito desenvolvida.
Posteriormente, ele adicionou uma oitiva inteligência, que seria a naturalística, que consiste na habilidade de compreender a natureza.
Ele ainda estuda a possibilidade de uma nona inteligência, que seria a existencial, que se relaciona com a capacidade de entender as questões da existência humana, como vida e morte.
Baseado nessa teoria, podemos ser gênios em uma ou duas e completamente ignorantes em outras. Garrincha, por exemplo, era um gênio com o corpo, mas certamente não tinha uma inteligência lógico-matemática tão desenvolvida. Conta-se que Mozart, um gênio musical, tinha dificuldade com as demais.
A escola tradicional estimula basicamente as inteligências lógico-matemática e linguística. Daí o grande sucesso do conceito de “inteligência emocional” criado por Daniel Goleman, que seria uma união das inteligências intra (o que diz respeito ao ser humano consigo mesmo) e interpessoal (que diz respeito às relações entre indivíduos). Uma não existe sem a outra, ou seja, você somente pode compreender os outros se compreender a si mesmo. Aliás, assim já dizia a inscrição no templo de Delphos na Grécia: “Conhece-te a si mesmo”.
A pergunta é: Você realmente se conhece?
Segundo um estudo citado por Timothy Wilson em seu brilhante livro “Strangers to Ourselves”, o índice de acerto em testes de autoconhecimento é de 40%, ou seja, se você responder a algumas perguntas sobre como você é e pedir a outros que também lhe avaliem, vocês concordariam somente em 40% das respostas.
Na minha opinião, temos dois motivos para esse fenômeno. Um é que o autoconhecimento é ao mesmo tempo uma jornada interessante e amedrontadora, pois certamente nos depararemos com aspectos de nossa personalidade que não apreciamos. Para evitar a dor de encontrar essas partes, nós evitamos nos conhecer. Por outro lado, enquanto não tivermos consciência delas, seremos suas vítimas. O segundo motivo é que o grande número de estímulos externos, presente no mundo moderno, desvia a nossa atenção – com tanta coisa para fazer lá fora, olhar para dentro se tornou monótono.
Mas esse analfabetismo tem um preço, pois o amadurecer passa por nos conhecermos em toda a nossa plenitude.
Precisamos de líderes com maturidade, que conheçam suas forças, fraquezas e desejos, pois os problemas atuais são de uma complexidade nunca antes vista e, para a sua solução, será preciso muita inteligência intra e interpessoal.
Por isso mesmo, termino este curto artigo com a seguinte pergunta para sua reflexão: Qual foi a última vez em que você teve um encontro consigo mesmo, seja via uma reflexão a sós ou com um profissional, submetendo-se a um processo terapêutico ou, até mesmo, fazendo uma avaliação de 360º em seu trabalho?