O mundo pode ser plano, mas o pensamento multidimensional
No best seller O Mundo é Plano, o jornalista norte-americano Thomas Friedman apresenta-nos a sua percepção de como as distâncias em nosso planeta estão se tornando cada vez mais curtas. Ele relata que houve 10 forças responsáveis pelo que chama de “achatamento do mundo”. A primeira foi a queda do muro de Berlim, o que fez com que o planeta tivesse, do ponto de vista econômico, uma ideologia dominante: o capitalismo.
As duas forças seguintes estão relacionadas ao surgimento de programas que permitem compartilhar conteúdo pela internet. Assim, estava criada a infraestrutura para as demais forças, que seriam as possibilidades de colaboração surgidas.
Entre elas, a possibilidade de terceirização de serviços e o offshoring, ou seja, quando uma corporação transfere não uma parte de sua estrutura para outro país, como um call center, mas toda ela. O grande ator no caso da terceirização foi a Índia, que, durante o risco do Bug do milênio, com a falta de programadores no mundo para consertar os programas, recebeu essa tarefa monótona e, como demonstrou qualidade na prestação, o mundo mostrou-se disposto a enviar serviços mais complexos.
Com a explosão da bolha da internet, as infovias construídas ficaram disponíveis e praticamente de graça, o que alavancou ainda mais a comunicação entre os países. Isto tudo alimentado pelo que ele chama de “esteróides”, que é ser digital, virtual, móvel e pessoal.
Como disse Bill Gates, pela primeira vez na história um talento não vai ser limitado pela geografia, pois há 15 anos muitos preferiam ser taxista em Nova York a ser engenheiro em Nova Delhi. Hoje, pode ser engenheiro, morando em Nova Delhi, mas trabalhando em Nova York. Por isso, esta nova globalização não será feita nem por países, nem por empresas, mas por indivíduos, principalmente não-brancos e não-ocidentais.
Qual seria a saída para as nações do ocidente? Segundo Friedman, elas teriam que se concentrar em criar inovações, sendo necessários trabalhadores com maior qualificação, uma vantagem competitiva que os novos participantes da globalização ainda não têm. Digo ainda porque poderão chegar lá, mas, mesmo assim, as nações desenvolvidas têm muito mais a ganhar neste processo.
Exemplo: vamos supor que haja somente 2 países no mundo, os EUA e a China, e que a economia americana conste somente de 100 indivíduos, e a chinesa de 1000. Dos 100 americanos, 80 são profissionais intelectuais qualificados, e 20, trabalhadores pouco gabaritados. Na China, por sua vez, há 80 qualificados e 920 menos qualificados. Caso façam um tratado comercial, agora temos 160 trabalhadores qualificados, o que dá a sensação de que a concorrência aumentou, o que é verdade. Qual foi o ganho?
Um mercado muito maior que passou de 100 para 1100 pessoas, com muito mais necessidades e desejos.
Daí alguns profissionais terem de se deslocar horizontalmente, isto é, usar as mesmas capacidades, mas em outro trabalho. O crescimento do bolo certamente criará novas especialidades a serem preenchidas — e impossíveis de se prever hoje. Os trabalhadores menos qualificados terão de se deslocar verticalmente, melhorando seu grau de preparação e competência.
Os indianos e os chineses não estão empurrando os ocidentais para baixo, mas para cima — o que é ótimo. O que estes orientais querem é um melhor padrão de vida, não a exploração de mão-de-obra semi-escrava. E, quanto mais melhoram seus padrões, mais alto querem subir e mais espaço se cria no topo.
A pergunta é: quais habilidades além da capacitação técnica um profissional terá de desenvolver para conseguir ser bem-sucedido neste mundo sem fronteiras?
A principal será a capacidade de nos relacionarmos de uma maneira madura, e, ainda, com pessoas de uma cultura completamente diferente da nossa. Este é um grande desafio, pois ainda nem conseguimos nos relacionar entre nós mesmos.
Segundo as estatísticas de uma grande empresa de recolocação de executivos, a dificuldade de relacionar é o terceiro fator de dispensa do emprego no mercado brasileiro. O profissional é contratado pela sua capacitação técnica e é demitido pela sua incapacidade de relacionamento.
A distância entre você e os outros é a distância entre você e você mesmo, ou seja, para se relacionar bem com os demais, o início é o autoconhecimento, início de um processo de amadurecimento emocional, uma grande necessidade atual, pois, como relatou John Ranesch, da World Business Academy, “a maturidade emocional de 85% dos executivos americanos equivale à de um adolescente”.
O interessante é que, após anos dizendo que o importante é o capital humano, agora precisa-se priorizar o desenvolvimento deste, pois os países ocidentais não têm como concorrer com os chineses e indianos no que se refere a trabalhos simples, mas em tarefas mais complexas, que requerem diferentes talentos interagindo em redes, muitas vezes localizados em diferentes locais do mundo. Aí pode-se ter uma chance, chance esta que vai depender da capacidade de evoluir como ser humano e de entender que talvez a resposta para esse dilema possa não estar lá fora, mas, sim, dentro de cada um.